sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Linhas e estilos de Aikido, qual seguir?

Sobre os vários "estilos" de Aikido, mesmo aqueles considerados mais antigos e importantes, como o Tomiki Aikido, Shin Shin toitsu e Yoshinkan Aikido, existem várias histórias, algumas contraditórias, deixando no ar uma certa impressão de que algo ficou esquecido no tempo, ou mesmo foi contado de forma diferente do que realmente aconteceu. Deixe-me explicar usando como o exemplo o Tomiki Aikido. Segundo o sítio do Tomiki Aikido of America, o fundador desse estilo foi Kenji Tomiki, era um dos melhores judocas Kodokan e foi mandando pessoalmente pelo mestre Jigoro Kano para treinar com o sensei Mohirei Ueshiba. Durante uma década ele treinou diretamente com o fundador do Aikido, recebendo o Menkyo (algo com proficiência na arte, professor). Mais tarde, após a implantação dos "dans" na Aikikai, ele recebeu o 8º dan. Ele resolveu aplicar a metodologia do Judo no Aikido e com isso saiu da Aikikai fundando o Shodokan Aikido.
Essa é a história conhecida e amplamente divulgada, porém existem as que contam nas coxias. Dizem que os dois discípulos enviados pelo mestre Jigoro Kano foram Minoru Mochizuki e Jiro Takeda. A citação de que Tomiki sensei foi enviado do kodokan é uma versão distorcida feita por alguns kohais da Aikikai na intenção de desmerecê-lo, pois ele era o mais antigo e mais graduado aluno do Ueshiba sensei, junto com Gozo Shioda. Após a morte do fundador do Aikido, surgiram alguns problemas com entre eles e o 1º doshu, Kishomaru Ueshiba, principalmente na forma de executar as técnicas, é só reparar nos vídeos existentes que a técnica deles era mais parecida com a que o sensei Morihei Ueshiba praticava. As mudanças ocorreram pelos sucessores na Aikikai. Após a saída deles, existiu uma tentativa de que fosse retirado o nome Aikido de qualquer estilo que não fosse Aikikai, porém sem sucesso pois os antigos alunos não aceitavam que praticavam algo diferente do que o Aikido que aprenderam com o fundador. Sim, Tomiki sensei desenvolveu uma forma de competição, mas os treinos regulares ainda seguem a mesma mecânica do original.
O que aconteceu de fato fica meio que no ar, exitem várias publicações em português e inglês que nos ajudam a entender a história, mas contam o que alguém ouviu ou presenciou e suas impressões, podendo ou não ser a verdade absoluta. Eu acredito que o importante é não tomar partido na história e gritar ao vento que seu estilo é o original, por isso melhor. A beleza do Aikido está na descoberta do que ele significa para você mesmo, e isso é maior do que as organizações. Claro que ter boas referências conta, mas existem várias atualmente e seguir uma ou outra é uma opção válida e devemos respeitar a decisão de cada um.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

OSS?

OSS! É uma expressão que ouvimos comumente nas artes marciais japonesas, e só apareceu pra mim a pouco mais de um ano quando comecei a praticar Judo. No Aikido aqui no Brasil me parece que não acontece como em outros países, pois nesses quase 4 anos de treino, seminários e encontros de Aikido, não ví sequer um praticante falando, mas sei que existem escolas por aí que usam.
Mas o que seria isso? Qual a origem?
Andei pesquisando e cheguei a conclusão que a origem é incerta. O que existem são teorias apenas.

A primeira é sobre um cumprimento que os japoneses fazem quando encontram alguém na rua. Eles falavam algo como "Ohayo gozaimasu", que significa, de forma bem polida "é cedo", uma espécie de "bom dia". Percebeu-se que atletas, durante a atividade esportiva, como corrida por exemplo, não utilizavam toda a expressão e respondiam com um "Ohayossu!", "Ohayoosu!", "Oosu" ou "Oss", uma contração da frase  original. Entretanto, essa forma é considerada rude, masculina e deve ser utilizada com colegas de treino (não com o professor ou sensei) e pessoas em atividades geralmente esportivas. Seria como um "E aí!" em português.

Outra teoria tem haver com os dois kanji que formam o ideograma "Oss". O primeiro (Osu)  significa empurrar, pressionar, promover. O segundo (Shinobu) significa resistir, aguentar ou ocultar, esconder.
Isso pode criar vários significados, como "perseverar em condições difíceis" (o que caberia bem com a filosofia e história do Karatê) ou "esforçar-se sem mostrar", algo que pode se vê em alguns japoneses quando treinam, suas fisionomias não mudam mesmo em grandes esforços. Existe um texto do Sensei Okuda do Karatê que fala sobre o uso da expressão pelos lutadores da Marinha Imperial japonesa, o que reforça essa teoria.
  
Kanji "Oss" ou "Osu"

Por último, encontrei como uma contração de "Onegaishimasu", que é uma forma educada de dizer "por favor" e as vezes "desculpe".

Eu particularmente não utilizo muito o "Oss", apenas nas aulas (cada vez mais raras) de judo, já que no Aikido é comum o uso do "Onegaishimasu".

No aikido sempre se começa com "Onegaishimasu"

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Dois ou três almoços, um silêncio (Fragmentos disso que chamamos "minha vida")

Por Caio Fernando Abreu

Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.

Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.

Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível". Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.

De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.

Era isso - aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.

Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.

(Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", 22/04/1986)

Texto indicado por uma quase-conhecida...